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montesclaros.com - Ano 25 - domingo, 19 de maio de 2024
 

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Mensagem: Irineu Acordei turvo, sem vontades de cidade. Permaneci nos travesseiros, entocado, na tentativa de fugir dos ermos da consciência. Após relutâncias, arrastei-me até o refúgio do banheiro. Opaco, sem ideia, fiz acareações no espelho, contorcendo em embrulhadas caretas. Refugava o asco impregnado das urbes. A custo, esguiei pela casa, desviando da TV e de suas imprestáveis notícias, ensurdeci para os ruídos do rádio da cozinha. Sigilosamente, engoli o café, peguei as chaves, parti timidamente para enfrentar a ofuscante luz do dia. Em busca de sombras, confuso, fui despertado pelos latidos do meu cachorro Angus, convocando-me para um passeio, um devaneio. Entrei no carro. Abri a porta para o parceiro e saí desviando do centro, dos buracos, dos sinais e tráfego. Num ufa! peguei a estrada, escapuli. Montes Claros ficou para trás. Desliguei o ar, abri as janelas para a brisa azul. Céu matutino, temperatura branda, horizonte longínquo, nuvens em bolas e bolos, enfim sossego nas vistas. Apaziguei, baixei a velocidade e senti o vento na cara. Angus, de cabeça para fora, refrigerava sua língua. Easy rider. Relutava em não pensar em nada, mas o trânsito até Bocaiuva me laçava a realidade. Muitos carros, caminhões. Um azucrino. Resolvi, então, safar rumo ao Jequitinhonha. A estrada é outra, vazia, boa para divagar em bobeiras, lembranças, branduras. Pois foi o que aconteceu, remexi o baú das memórias, resgatei carinhos, gestos, delicadezas, reuni perdas e encontros. Borbulhei nos meus caldos. Adociquei meus recordos. O sorriso desabrochou, relaxei, desamarrotei. Olhei para o lado e Angus virou a cabeça, com a cara estalando gratidão. Ao passar por Olhos D`Águas, os meus marearam em cumplicidade. O caminho por instinto era Rio Preto, antiga Sapucaia, Felisberto Caldeira, hoje, São Gonçalo do Rio Preto. Não parei na cidade, fui direto para o mato, para casa de Irineu. Pronto, estava no porto das calmarias. Bom dia para cá, bom dia pra lá, meninos e patroas boas. Cumprimentos formalizados, a conversa então foi tomando os rumos da natureza, das perplexidades. - Ucho, o Jequitibá incorpou, taludou, mas os Ipês num firmaram, tão carecendo dágua. - Molha então, Irineu! - Num dianta água molhada, bom mesmo é as águas da misericórdia. Papo vai, papo vem, espaçado por pitos de cigarros de palha, tomamos a serra pela trilha ao fundo da casa. - E carrapato, Irineu? - Preocupa não, eles só vêm com a friagem, no orvalho. Maio ainda num tá frio pra tanto. Esbaforido, Angus nos seguia dando tibuns nos córregos d`água, refrescando-se. Eu com inveja, mergulhei também e caninamente refrigerei-me. Irineu, só riu. Daí a pouco, assuntando, profetizou: - Olha Ucho, hoje vai morrer um lá pelos lados do Alecrim. -Como você sabe? - Num tá ouvindo o canto do Coan(*) vindo de lá? É batata! No rumo que o Coan canta, nego espicha as pernas. - Ah, não sabia! Subimos mais serra, pulamos córregos, contornamos árvores, atravessamos cheiros de assa-peixe, capim gordura, gabiroba, sapucaia. Os passarins melodiavam toda a subida. E Irineu sanava minhas ignoranças. - Essa água corre o ano inteiro? - Ó Ucho, é seca e verde. Dagora em diante, ela imiúda, míngua, mas num corta. - E estes peixinhos, Irineu? Nessas alturas, como eles vieram parar aqui, bem perto da nascente? - Ô Ucho, peixe é microbi dàgua. Eles vêm é com o arco iris. Pronto, já tava bom. Fisguei o puro encanto. A poesia. Bendito. (*) Coan ou Acauã (herpetotheres cachinans) pertencente à família do gavião, habita o Cerrado, a Caatinga e as florestas úmidas.

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